O delegado de polícia e os menores infratores: por que calar?

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A respeito das declarações do delegado, digo que ele não precisava se desculpar porque ele não ofendeu ninguém. Ele apenas fez uma crítica ao sistema, à forma como a questão do menor envolvido com assalto vem sendo conduzida pelos profissionais que trabalham na área da infância e da juventude. Se alguém tomou como ofensa a cobrança do delegado, foi um excesso. Ele nao citou nomes e nem disse que A ou B conduta determinada foi errada; ele apenas perguntou se nada podia ser feito para evitar que um menor que é apreendido pela quinta vez cometendo um ato infracional, armado com revólver e em concurso com outro assaltante, continue oferecendo risco para ele mesmo e para a sociedade. 
No estado democrático de direito toda e qualquer autoridade pública está sujeita a ser criticada e cobrada em sua atuação: é o que se chama de acountability. Não existe ofensa nenhuma nisso, mas infelizmente o autoritarismo do passado ainda nos impulsiona a manter a crítica sob mordaça. 
Ora, só um cego intelectual não vê que aqui em Belém está havendo um extermínio de jovens infratores envolvidos com drogas e assaltos. E só um cego não vê que a cada dia cresce o número de adolescentes que assaltam à mão armada. Então, basta somar 1 + 1 para concluir que o sistema nao está funcionando e deve ser discutido, pensado, melhorado, mudado. Não significa que A ou B juiz esteja errado ou não esteja trabalhando. A pessoa pode estar virando dia e noite, debruçada sobre os processos, mas um ponto importante todos devemos admitir: todo esse árduo trabalho não está surtindo bons resultados. 
O que ocorre é que, nos processos envolvendo menores em conflito com a lei, a maioria dos profissionais do sistema atua segundo o entendimento dominante - protecionista, que não cobra nenhuma responsabilidade do menor pois o vê apenas como vítima e o trata como tal. As condições precárias de instrumentos para uma atuação mais eficaz na recuperação desses jovens não é colocada como um ponto fundamental para que logremos melhores resultados. 
Quem trabalha com essa matéria deveria admitir que a situação está pior. Deveria, ainda, engrossar o coro dos que compreendem que algo precisa ser feito imediatamente. 
Onde está a ofensa em dizer que o sistema apresenta graves distorções? O que fazer com quem é flagrado pela quinta vez assaltando à mao armada? Ah, entao, para nao ofender temos que dizer que está tudo bem, fazer de conta que não está havendo um escandaloso aumento de jovens envolvidos com assalto e drogas? Vamos ignorar que esses jovens estão sendo assassinados, assim como também estão assassinando inocentes? Assim, não ferimos suscetibilidades e suportamos o avanço do problema calados.  
O raciocínio é lógico e direto: os profissionais que trabalham com a matéria atinente aos "jovens em conflito com a lei" (expressão politicamente correta para adolescentes infratores) dizem que  estao fazendo um grande trabalho, tão grande que sequer aceitam uma criticazinha proferida no calor da rua, da atividade policial; no entanto, apesar de todo esse árduo esforço, a coisa está pior a cada dia tanto para a população (em risco nas mãos dos assaltantes adolescentes) quanto para os próprios assaltantes (porque estão sendo assassinados, exterminados). Em meio a essa situação gravíssima um delegado de polícia não pode sequer questionar o sistema? 

Ora, se é evidente que o status quo é desfavorável tanto para sociedade quanto para os próprios menores infratores, por que nao se pode constestar a forma como vem sendo conduzido o problema e até a própria legislação? Voltou a época da ditadura em que nenhuma ação do Estado podia ser contestada?
Espero que a corregedoria de polícia seja justa e nao puna um policial apenas porque ele usou de um direito elementar de cidadania, que é o de contestar um sistema que se percebe falido e, por isso, precisa ser criticado em busca de reformulação. Não há ofensa nenhuma nisso. Ao contrário, acho que deveríamos realizar um forum para debater a questão de como conduzir o problema do menor infrator. Mas tal evento não pode ser dominado só pelo discurso protecionista, assistencialista, que exclui toda e qualquer responsabilidade do jovem e de sua família para distribui-la pelos ombros da sociedade.

Se falarmos, debatermos, opinarmos quem ganha é a sociedade. Com a "lei da mordaça", quem perde também somos todos nós.
O problema é nosso, sociedade, e nao só do Poder Judiciário e do Ministério Público, de forma que o delegado, por tratar-se de autoridade pública diretamente envolvida com a segurança, tem toda razão em estar preocupado e pugnar por mudanças. Quais mudanças? Este é o ponto do debate.

9 comentários:

Anônimo disse...

Ana, parabéns pelo artigo, você como representante e defensora da sociedade se manifestou de forma coerente e concisa. Não podemos vedar os nossos olhos para a realidade,ou todos nós somos hipócritas? Estamos aos poucos sendo dominados por menores "infratores" que com a proteção das leis, agem de forma criminosa. O delegado agiu como ser humano, qualquer representante do poder público tem sentimento, tem emoção e indignação, foi o que o delegado teve. Ninguém melhor que o policial para sentir na "pele" a realidade, e, pior ainda, ter sua honra e moral menosprezada, sabe por que? Porque o menor infrator que já é reincidente várias vezes "riu" da cara da autoridade e ele (o delegado, debochou do ilustre bacharéu de direito que nada podia fazer a não ser mostrar sua insatisfação com nossos magistrados e legisladores.

Peço permissão a você para publicar seu artigo em meu blog, pois manifestações como essa que em consonância com a sociedade merece ser divulgada. Mais uma vez parabéns.

Do amigo

Paulo Santos

Ana Maria disse...

Paulo,

fique à vontade para postar no seu blog os comentários que eu eventualmente fizer aqui. Será sempre uma honra. Abraços saudosos,

Ana Maria

Anônimo disse...

Clap!Clap!Clap! Bravo!Perfeito Professora! Post lúcido, coerente, desapaixonado.....É exatamente isto. Deveria ser publicado em jornal de grande circulação. Eu que não tenho papas na língua diria para a juiza ( a que se sente ofendida), que quem não deve não teme, mas com esta palavras mesmo, não sei "dourar a pílula", para não melindrar melindrosos!
Joseane Santos

Marcelo disse...

Querida Ana, foi com imensa satisfação que li o seu artigo acima, e pude perceber toda a sua percepção e conhecimento quanto a temática discutida. Costumo falar que vivemos em um país que é falso moralista, onde os verdadeiros criminosos estão inpunes, todos de colarinhos brancos. Há muito tempo que os olhos do Direito estão fechados para questão dos menores infratores. Realmente a visão quanto ao menor é sempre protecionista levada ao extremo. Há sempre críticas quanto ao serviço policial, mas nunca há um solução apontada pelo Estado que possa realmente surtir efeito para a problemática que se tornou os adolescentes, que praticamente recebem a chancela do Estado para fazerem o que bem entendem. Realmente deve sim ser discutida a responsabilidade do menor, a questão da menoridade penal, bem como a responsabilidade dos próprios pais que são omissos quanto a criação dos filhos. Acredito eu que tal omissão se dá também no fato da limitação do poder familiar que é feita há anos pelo Estado, o qual cada vez mais retira dos pais o poder de educar os filhos e poder repreendê-los, e coloca os menores em uma redoma de cristal. Desconheço o episódio ocorrido com o Delegado, mas pelo que pude entender este foi duramente repreendido por sua corregedoria apenas por expor a sua opnião quanto a um sistema falido, o que mais uma vez mostra a hipocrisia do Estado e o falso moralismo brasileiro. Obrigado Ana, sinto orgulho em ser seu aluno na Fcat. Abraços...

Marcelo Cruz

Charles Campos disse...

Jovem intelectual, douta conhecedora da VIDA!!! o que é mais importante para o verdadeiro SAGE.
O que se percebe em nosso país, não é nada complexo. É simples: existe uma divisão na sociedade...o clero e plebe. No Clero há instituições, no clero há uma armadura,no Clero há um suposto campo-de-força, na plebe...há a doença, o cancer, o vírus e tudo que há de ruim. O que não pode chegar ao Clero! Se chegar! Resolve-se com toda a força repressora do Estado. Se não chega, deixem que a doença se destruia por si só, à plebe; ela só serve para dar números aos tributos, não servem para nada...
Dizem, alguns, que o aumento da pena não resolverá o problema da violência. Isso é como dizer que o freio não pára o carro. Quem conhece a hitória do oriente médio? É só fazer um pequeno estudo sobre a criminologia daquela região. Os ídices de violência em relação à pobreza, são baixíssimos. Por quê? O medo da pena. Que pena? De morte, de aputação de membros, do apedreijamento.
Acho que todo indivíduo sabe de suas responsabilidades. Todo o crime deveria ser exemplarmente punido. Desde aquele que pega uma pequena propina de 10 Reais para fazer algo que seria seu dever fazê-lo, até aquele que estupra ou mata uma pessoa.
Enfim, vamos começar a cobrar dos Poderes, eles trabalham para nós, não nós para eles. Eles são obrigados, sem reclamar, a dar satisfações a todos.
Charles Campos

Carolina Carvalho disse...

De fato a Promotora Ana Maria mais uma vez nos deixa satisfeitos com suas falas...
Não sei porque essa juiza se sentiu incomodada com o desabafo do delegado, a não ser que a "carapuça" tenha servido!!!
O certo é que estamos vivendo uma era de terror com o aumento dessa violência, o pior é que cada vez mais esses "menores" entram na linha de frente da criminalidade, portando armas e fazendo o cidadão refém do medo e da violência.
Ser pobre não é ser obrigatoriamente bandido! Esses jovens acham que por ser de menor é "parada certa", pois a Lei os favorece, eles sabem que NÃO PEGA NADA!!!
Com isso saem por aí, alguns a pé ou de bike, armados(muitas vezes tem até que segurar as calças para a pesada arma não cair da "pequena" cintura) fazendo pessoas de vítimas, aterrorizando nossa cidade e nossas vidas!!
CHEGAAAAAAA, ISSO TEM QUE ACABAR!!!!!!!!!!!!!!!!!

Agentes de Segurança Socioeducativo de Minas Gerais disse...

Toda socioedade tem que se envolver na solução da problematica que é o menor infrator. Não devemos procura culpados mas sim mostrarmos sugestões e coloca-las em pratica.
Parabéns pelo tema e por este blog que abriu o espaço.
Agentes de Segurança Socioeducativo de Minas Gerais.
www.agentesocioeducativo.blogspot.com

vanblack disse...

bom estou com uma duvida devido ao um caso quero saber se o delegado pode obter o depoimento de um jovem infrator (menor de Idade)sem seu responsavel ou representante legal ??

Por favor responder para ..

vanblack_ap@hotmail.com

Ana Maria disse...

Prezado Vanblack,

Para ouvir um menor (isto é, tomar seu depoimento) sem a presença de seus pais ou representante legal o delegado de polícia deve contar com a presença do Conselho Tutelar, nomeando o conselheiro curador do menor para o ato. Se náo não for possível a presença do CT, o delegado deve nomear curador do menor algum adulto, que pode ser qualquer pessoa idomea, inclusive um policial militar ou civil que náo tenha participado da apreensao e nem será testemunha na eventual açao que o menor deva responder por aquele ato pelo qual está sendo ouvido.
Além disso, embora a açao por ato infracional nao tenha natureza criminal e sil civil, o delegado deve informar ao menor que ele tem direito ao silëncio.

Situaçoes qe comumente ocorrem em relaçao a ausencia dos pais do menor no momento do interrogatório na Polícia:
- o menor nao informa quem sao seus pais;
- o menor nao informa o endereço de seus pais;
- o menor diz que nao tem pais e nem responsáveis/
- o menor está forade sua cidade;
- o menor, realmente, está só no mundo, isto é, foi abandonado pelos pais ou fugiu de casa;
- a Polícia nao conseguiu localizar os ais do menor e deve ouvi-lo com urgencia para transferi-lo para outra delegacia porque tem pessoas a porta querendo linchar o menor e ele deve ser protegido.
- outras semelhantes.

Situaçoes sem o Conselho tutelar
- é noite e a Polícia nao localiza o conselheiro de plantao;
- a polícia localiza o conselheiro mas ele diz que está ocupado e nao comparece (falta grave, deve ser comunicada ao MP).

Em Barcarena, eu mandei uma Recomendaçao aos delegados que nao ouvissem nenhum adolescente (seja infrator seja vítima) sem a presença de seus pais, ou responsáveis, ou conselho tutelar ou curador para o ato.

Com um abraço,

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