"Moreno escuro":por que a expressão usada pelo deputado Julio Campos é racista

sexta-feira, 25 de março de 2011


MORENO ESCURO: Por que considera-se que o deputado usou expressao racista ao chamar o Ministro Joaquim Barbosa de moreno escuro? 

Por Ana Maria


O moreno claro e o moreno escuro
Comentários a respeito de o deputado federal Júlio Campos (DEM-MT) ter chamado o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa de moreno escuro na reunião da bancada do partido na Câmara ocorrida na  terça-feira (22 de março).

Por que considera-se que o deputado usou expressao racista?
Ao referir-se ao Ministro Joaquim Campos como "moreno escuro",  o deputado federal Júlio Campos (DEM), ex-governador do Mato Grosso, evidenciou o racismo implícito que existe no Brasil. pois, embora possamos aceitar que existe (e existe mesmo) gradações de morenice entre nós, a pele do Ministro não é "morena escura" e sim, negra. O racismo do deputado foi revelado pelo fato de ele ter tentado mascarar uma realidade "embranquecendo" o ministro. Ora, "moreno escuro" é menos negro do que o negro, de forma que, ao negar-se a dizer a verdadeira cor da pele do ministro, o deputado revelou que considera ofensivo chamar alguém de negro.
Qual o problema em dizer "aquele ministro negro"? Por que esquivar-se de dizer a verdadeira cor da pele de sua excelência? Na verdade, essa expressão "moreno escuro" - ainda hoje largamente utilizada no Brasil para referir-se às pessoas negras - denuncia o preconceito velado que existe na nossa sociedade. É como se o fato de ser negro fosse algo ruim, então, embranquece-se a pessoa classificando-a como "morena escura". 

Algumas considerações sobre discriminação racial e pobreza no Brasil  
Nas últimas décadas vimos ampliando as discussões sobre discriminação racial, especialmente no que tange a sua vinculação com a pobreza. 

Amparando-se na constatação de que metade da população brasileira é negra e, dentre estes, a maior parte é  pobre, estudiosos concluem que o racismo é um dos principais fatores estruturantes das injustiças sociais que acometem a nossa sociedade e, por isso, ele é a chave para entendermos as desigualdades sociais do Brasil.
Também afirmam que as inaceitáveis distâncias que ainda separam negros de brancos no Brasil são visíveis nas relações diárias e que elas se refletem nos acessos desiguais a bens e serviços, ao mercado de trabalho, ao ensino superior bem como ao gozo de direitos civis, sociais e econômicos.

Em relação a estes aspectos, é claro que se deve criar com prioridade políticas sociais que visem eliminar essas distorções que impedem a concreção ou o avanço dos dois princípios que fundamentam o nosso Estado democrático de direito, a igualdade e a liberdade.
"Somos todos iguais, braços dados ou não, nas escolas, nas ruas, campos, construções", as nossas diferenças de cor, credo, ideologia, etc. são aspectos que nos fazem únicos do ponto de vista de nossa individualidade, mas somos sempre, total, completa e absolutamente iguais na nossa humanidade, de forma que todos sentimos alegria, tristeza, dor, compaixão, etc - somos todos seres humanos.  

No entanto, se considerarmos que racismo é  uma "teoria que afirma a superioridade de certas raças humanas sobre as demais", ou, em outras palavras, é um conjunto de opiniões pré-concebidas que valorizam, de forma negativa, as diferenças biológicas entre os seres humanos, contrariando a idéia de que existe um só gênero humano, ou seja, uma única raça humana sobre a terra, fica difícil aplicarmos ao nosso país a existência desse tipo de forma de pensar. Acredito que, fora a existência de grupos extremamente reduzidos e criminosos (crime de racismo), os brasileiros que se consideram "brancos" não se arvoram de superiores por conta da cor de suas peles. 

É claro que reconheço que existe uma separação que deve ser combatida por meio de políticas públicas adequadas. Por exemplo, na Polícia Militar tenho observado (sem metodologia) que os oficiais sao, em geral, brancos, enquanto muitos soldados sao afro-descendentes. Mas acredito que isso ocorre em razão da pobreza, e não da cor. 

De suma importäncia é o fato de não existir ódio racial entre nós, até porque somos todos frutos de uma mistura de negros, brancos e indios que deu certo. Nas famílias brasileiras, por exemplo, é comum existir um irmão branco, outro moreno "claro", outro "escuro" mas com os olhos verdes, enfim, miscigenação total. Na minha família, por exemplo, da união de uma mulher morena-jambo, lábios cor de acaí e olhos cor de mel com um homem branco nasceram minha irmã loira, de olhos verdes, meu irmão "moreno escuro" mas com cabelos lisos, e outro "moreno médio" com olhos cor de mel; e eu, morena bem clarinha.  Meu irmão "moreno escuro" é chamado carinhosamente de "pretinho". Esse tratamento que demos a ele nunca foi e nunca será ofensivo. Mais prejudicial era meus irmãos me classificarem como "brabinha", fato que hoje percebo tratar-se de uma forma de bullying que sofri por longos anos na família.

Voltando ao nosso assunto, embora o caso do deputado, ora sob comento, revele o preconceito implícito ainda muito forte entre nós, acredito que já avançamos bastante no combate a essas formas de negação da igualdade humana e que, em poucos anos, o Brasil estará vendo a si próprio como realmente é: um país de belas pessoas negras, morenas escuras, morenas jambo, morenas claras, brancas, amarelas e índias.

5 comentários:

Bernardo Siqueira disse...

Quero parabenizar pelo excelente blog, com conteúdo atuais e pelo alto nível em que é escrito.
Bernardo Siqueira

Ana Maria disse...

Obrigada, Bernardo Siqueira. Fique a vontade para sugerir temas.

Ismael Moraes disse...

Amiga, ve na postagem

Uma declaração, várias desonras
Da leitora Adelina Bia Braglia, sobre a postagem que reproduz declarações do deputado federal Júlio Campos (DEM-MT), referindo-se ao ministro Joaquim Barbosa, do Supremo, como "moreno escuro":

Moreno escuro?
Dito por um branco azedo, até que combina. Principalmente por este branco azedo, useiro e vezeiro em beneficiar-se do público a favor dos seus interesses privados. Desonrou o Senado, desonrou Mato Grosso e agora desonra minha paciência!
O ministro Joaquim Barbosa deveria processar o indigitado Júlio Campos. Para exemplar esse racista de meia pataca e outros que estão na ilharga.
Faria bem a todos nós, se o fizesse.

do Espaço Aberto debate do qual participei. Bj

Anônimo disse...

UM NEGRO PODE SER PROCESADO POR RACISMO CONTRA NEGROS?

A 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio manteve nesta terça-feira (29) decisão que condena a gravadora Sony Music por causa da música “Veja os cabelos dela”, composta pelo agora deputado Tiririca (PR-SP). A decisão confirma sentença de 2004 que estipulava indenização de R$ 300 mil. A Câmara também determinou ontem a correção monetária retroativa desde 1997, quando o processo foi ajuizado.

A indenização, que deve ser destinada ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, foi calculada a partir lucros obtidos com as vendas do disco na época. A ação foi movida pelas ONGs Centro de Articulação das Populações Marginalizadas, Instituto das Pesquisas das Culturas Negras, Grupo de União e Consciência Negra e Instituto Palmares.

Segundos as entidades, a música gravada por Tiririca é racista. “Essa nega fede, fede de lascar/ Bicha fedorenta, fede mais que gambá”, diz um dos trechos da canção.

“Embora a expressão ‘nega’ possa realmente ser utilizada popularmente dentro de um contexto afetivo, sem qualquer conotação racial, no presente texto, a combinação de tal expressão com a alusão a cabelos característicos da raça negra, que são pejorativamente comparados a ‘bombril de ariar (sic) panela’, seguidos de referências ao ‘fedor da nega’, comparado a um gambá, caracteriza a ofensa indiscriminada às mulheres da etnia negra”, afirma o desembargador Mario Robert Mannheimer, relator do caso, na decisão de 2004.

A gravadora diz que vai recorrer da decisão e lembra que já depositou parte do dinheiro em juízo. Tiririca não tem mais contrato com a Sony Music. O deputado não foi colocado pelas entidades como parte do processo. Lançado em 1996, o disco de Tiririca vendeu cerca de 250 mil cópias antes de ter 80 mil unidades recolhidas.

procurei esta obra-prima (ironia!!!) na Internet. As fontes todas dizem que a “música” é do próprio Tirica. Aliás, a letra começa assim:

“Alô gente, aqui quem fala é Tiririca/

Eu também estou na onda do axé music

Quero vê os meus colegas tudo dançando”

Parece ser ele mesmo o autor. Além das delicadezas que o texto informa, mais adiante, este mestre da poesia (mais uma ironia) afirma:

“Eu já mandei, ela se lavar

Mas ela teimô, e não quis me escutar”

Parece que ela fede “mais que gambá” por não tomar banho, não por ser negra. Mas isso é lá com os advogados da Sony. O que chamou particularmente a minha atenção no caso acima foi outra coisa: as entidades processaram a gravadora, mas não o Tiririca. Por quê? O agora deputado é mestiço, mas é o que as entidades militantes chamam de “negro”.

Vejam, então, que coisa curiosa: um negro pode ser processado por racismo contra negros ou não? É claro que isso enfraqueceria a ação. Mas continuemos a pensar: se um negro não pode ser processado por racismo contra negros, não se estaria facultando a esse negro o direito de dizer alguma coisa que ao branco estaria interditado? Um crime é um crime só a depender de quem comete a ação considerada criminosa?

Anônimo disse...

Devemos levar em consideração que muitos termos racistas são ditos de forma irrefletida.
Ainda há àqueles que parecem ter medo de dizer que o negro é negro para não serem taxados de racistas. Então dizer que o negro é moreno seria sim uma forma de embranquecer, mas tudo dependeria do contexto em que foi dito. Se foi dito de forma depreciativa ou não, pois se formos levar em consideração, todos sem exceção dizem termos racistas.

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