Nota do GNMP sobre a PEC 37

sábado, 22 de dezembro de 2012


GNMP e a Proposta de Emenda Constitucional 37

O Grupo Nacional de Membros do Ministério Público (GNMP), associação não personificada existente desde 2006, composta por mais de 800 membros do Ministério Público brasileiro de todas as unidades da federação, contemplando representantes de Ministérios Públicos Estaduais e do Distrito Federal, Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho, em consideração à deliberação aprovada durante a III Reunião Presencial de Brasília-DF (acompanhamento permanente de processo legislativo em áreas relacionadas à atuação do Ministério Público na defesa da sociedade), a respeito do Projeto de Emenda Constitucional n. 37 (PEC 37/2011) em trâmite no Congresso Nacional desde 26 de junho de 2011, que, dentre outras coisas, pretende acrescentar o "§ 10 ao art. 144 da Constituição Federal", a pretexto de "definir a competência para a investigação criminal pelas polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal", pronuncia-se nos termos seguintes:

1. A Constituição da República de 1988 conferiu ao Ministério Público, instituição essencial à justiça encarregada da defesa do povo e dos interesses sociais, a titularidade da ação penal, na forma do artigo 129, I, assegurando-lhe, também, o controle externo da atividade policial, conforme artigo 129, VII, bem como desempenho de todas as funções compatíveis com a sua finalidade. São, portanto, funções instituições expressas do Ministério Público promover, privativamente, a ação penal pública e exercer o controle externo da atividade policial;
2. Por mais que, ordinariamente, a ação penal seja oferecida tendo por base produtos de investigação preliminar oriundos da Polícia Judiciária (Polícia Civil dos Estados ou Federal), obviamente que existem casos excepcionais e diferenciados justificadores da possibilidade de os membros do Ministério Público poderem desenvolver investigação autônoma e independentemente, tendo por base a presidência e instrução de "Procedimentos Investigatórios Criminais", especialmente em casos envolvendo macrocriminalidade, crimes contra a administração pública, tráfico de entorpecentes e, inclusive, delitos praticados por agentes policiais.
3. Dentre as inúmeras justificativas para sustentar-se a necessidade do poder investigatório do Ministério Público, há de se considerar não apenas a estrutura do sistema acusatório, segundo a qual cabe à instituição ministerial formar convencimento-jurídico penal e definir qual o encaminhamento a ser dado em relação a uma dada notícia-crime, arquivando-a, requisitando (determinando) diligências à Polícia ou oferecendo denúncia, mas também a suspeição e problemas que por vezes derivam da vinculação administrativa que os órgãos policiais possuem com o Poder Executivo, o que inclui pressão política, falta de prioridade e/ou estruturação adequada humana e material para apuração de determinados fatos de gravidade ou importância diferenciada, quando não suspeita de inércia ou envolvimento da estrutura de segurança pública com práticas criminosas (ex: milícias, grupos de extermínio, etc);
4. O Supremo Tribunal Federal (STF), a propósito, já reconheceu, em inúmeros precedentes, a legitimidade do poder investigatório do Ministério Público;
5. O Conselho Nacional do Ministério Público, por intermédio da Resolução n. 13/2006, inclusive, de modo nacional e unificado, já disciplinou no âmbito do Ministério Público a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal, prerrogativa que pode ser adotada por todo e qualquer órgão de execução do Ministério Público (Promotoria/Procuradoria) com atribuições criminais em caso de comprovada motivação e necessidade, estabelecendo forma, mecanismos de controle e prazo. Não há que se falar, portanto, em informalidade ou ausência de regulamentação dos procedimentos investigatórios instaurados no âmbito do Ministério Público;
6. No âmbito investigatório, importante frisar que esta não se dá de modo isolado, mas integrado com órgãos de segurança pública, podendo incluir não apenas pura e simples substituição, mas também acompanhamento e supervisão sobre atuação de agentes policiais administrativamente vinculados ao Ministério Público, o que, por exemplo, de modo geral, se faz de modo nacional e regional mediante os chamados Grupos de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAECO), com indiscutíveis resultados e reconhecimento dos serviços prestados de parte da sociedade.
7. Se a percepção e os índices de impunidade no Brasil já são elevados numa estrutura que não obriga que toda e qualquer denúncia deva estar amparada em produto de investigação preliminar de origem policial (inquérito policial/termo circunstanciado), imagine-se o quanto não será prejudicial à democracia e ao sistema penal nacional se houver monopólio ou obrigação formal de denúncia somente ser oferecida após existência de investigação policial;
8. Mais do que isso, monopolizar a investigação junto à Polícia Judiciária, criando requisito desnecessário para oferecimento da ação penal, é enfraquecer a possibilidade de que o cidadão, os meios de imprensa, os movimentos sociais, a sociedade de modo geral e, inclusive, o próprio Poder Legislativo, sejam tolhidos da possibilidade de apurarem dados e provocarem o Ministério Público para tomada de providências criminais, iniciativa que já gerou ótimos resultados em diversos casos, evitando a perpetuação da impunidade; A propósito, note-se que o próprio Conselho Nacional do Ministério Público foi coerente e razoável ao prever expressamente que o procedimento investigatório criminal que tramita junto ao Ministério Público "não exclui a possibilidade de formalização de investigação por outros órgãos legitimados da Administração Pública" (artigo 1o, parágrafo único, da Resolução n. 13/2006).
9. Eventual e indesejado monopólio da investigação pelas Polícias Judiciárias, pretensão da PEC 37, trará significativo prejuízo às investigações levadas a termo por instituições (Poder Legislativo e suas CPIs, Conselhos Nacionais da Magistratura e Ministério Público, órgãos como COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras, BACEN - Banco Central, Receita Federal e Receitas Estaduais, Tribunais de Conta dos Estados e da União, IBAMA e órgãos de fiscalização ambiental estaduais, dentre outros órgãos, postura incompativel com o Estado Democrático de Direito que pressupõe amplitude e pluralidade de instâncias fiscalizatórias para apuração e responsabilizaçõ criminal de irregularidades.

10. Importante lembrar que a normativa internacional, especialmente a Convenção de Palermo, da qual o Brasil é signatário (Decreto 5.015/2004), estabelece que "cada Estado parte tomará medidas no sentido de se assegurar que as suas autoridades atuam eficazmente em material de prevenção, detecção e repressão da corrupção de agentes públicos, inclusive conferindo a essas autoridades independência suficiente para impedir qualquer influência indevida sobre sua atuação".
11.Diferentemente do que sugere a ementa, dando conta de que a pretensão do referido projeto é "acrescentar o § 10 ao Art. 144 da Constituicão Federal para definir a competência para a investigação criminal pelas polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal", as atribuições das Polícias Judiciárias já estão constitucionalmente definidas desde 1988, sem que que sobre isso paire qualquer dúvida ou problema.
12.Por conta de todo o exposto, a posição deste coletivo é no sentido de que a PEC 37/2011, na sua pretensão de estabelecer que a investigação de crimes incumbe "privativamente" às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, ao excluir competência investigativa lícita atribuída pela mesma constituição a outros órgãos, inclusive ao Ministério Público, carece de juridicidade, é manifestamente inconstitucional tanto sob ponto de vista formal como material, violando cláusulas pétreas e direitos e garantias fundamentais, malferindo o próprio princípio da eficiência (artigo 37 da Constituição), não possuindo amparo legal, nem mesmo justificativa empírico-fática para justificar a sua aprovação como algo que interesse ao sistema de segurança pública, à justiça criminal e ao próprio Estado Democrático de Direito, o que se espera seja reconhecido de plano pelo Poder Legislativo, sucessivamente pelo Poder Executivo ou, em último grau, pelo próprio Poder Judiciário, que tem a missão de guardar a Constituição.

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