Caso Henrica de Nazaré expõe como ocorre a violência contra a mulher no âmbito doméstico

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Sob a presidência do juiz Flavio Sanches Leão, os jurados da 1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher da capital acolheram a totalidade da tese acusatória sustentada pelas promotoras de justiça Lucinery Helena Rezende Ferreira e Ana Maria Magalhães de Carvalho e condenaram Odenei Ferreira Araújo, 33 anos, pelo assassinato de sua ex-companheira, Henrica de Nazaré Poça Menezes e pela tentativa de assassinato do filho dela, Danilo Menezes, assim, como pelo cárcere privado a que submeteu ambas as vítimas. 

A sentença condenatória foi proferida com quase quinze horas de julgamento, tendo o réu sido condenado a 42 anos e 07 meses de reclusão em regime inicialmente fechado. Por ter respondido ao processo em regime de prisão no Centro de Recuperação de Abaetetuba, cidade vizinha a Barcarena, o juiz negou ao réu o direito de apelar em liberdade, mantendo-o preso em razão da condenação. 

O caso

O crime ocorreu por volta das 11hóras do dia 14 de maio de 2009, em Barcarena, município pertencente à mesoregião metropolitana de Belém, na casa de propriedade da vítima e de onde ela havia fugido 15 dias antes para livrar-se das constantes agressoes físicas que lhes eram impingidas pelo companheiro Odenei.

Antecedentes do crime

Consta que a vítima era viúva e tinha quatro filhos quando, no ano de 2004, se envolveu com o acusado, o qual era um desocupado que passou a viver às custas da mulher. Artesã delicada e conceituada em Barcarena, de família tradicional da cidade, Henrica tinha rendas da pensão deixada pelo falecido esposo e da venda das peças preciosas que confeccionava em pintura, tricô, crochê, assim como ensinava sua arte para pessoas interessadas. Formada em contabilidade e organizada financeiramente, ela possuía dois imóveis na zona urbana e um sítio pequeno na zona rural de Barcarena.

Quando se envolveu com o réu - que era oito anos mais jovem do que ela - seu pai  prognosticou que o relacionamento não daria certo. Segundo ele, o fato de estarem em momentos diferentes de suas vidas, em especial pelo fato de ele não ser, ainda, pai, enquanto ela já tinha quatro filhos e era operada para não mais conceber, resultaria em problemas mais tarde. Mas Henrica, já apaixonada por Odenei, preferiu ignorar o prognóstico paterno e assumir o relacionamento. 

Durante cerca de seis meses a um ano, a vida do casal seguiu normal, até que ele a convenceu a vender a casa onde moravam, que era próxima à residencia dos pais dela, e a adquirir outra mais distante. Na nova casa, longe da família, iniciou-se o calvário de Henrica de Nazaré.

Ao ser ouvida na Promotoria de Justiça de Barcarena pela Promotora Vylllya Barra, poucos dias antes de ser morta, a artesã forneceu a data exata da primeira surra que Odenei lhe aplicou: dia 30 de maio de 2005. Antes disso, já tinha começado a agredi-la verbalmente, com ofensas e injúrias. Com o tempo, as agressões leves - tapas, empurrões - ampliaram-se para verdadeiras sessões de tortura. Ela relatou à autoridade ministerial que, certo dia, ele vedou-lhe a boca e os olhos com fita isolante, atirou-a à cama e postou-se de joelhos sobre o corpo dela. Ato contínuo, passou a espancá-la violentamente. Quando ela desmaiou, ele a levou para o banheiro e a fez recuperar os sentidos, ordenando que tomasse banho e se refizesse imediatamente, sob pena de levar outra surra. Outra situação muito grave ocorreu quando ela comprou um celular para seu filho Danilo que fazia aniversário. Odenei enfureceu-se porque queria trocar o aparelho dele e, por isso, aplicou uma violenta sova na mulher tão logo chegaram em casa. 

Odenei mantinha Henrica presa a ele sob ameaças de morte aos filhos e pai dela. Constantemente ele afirmava que iria amarrá-la e matar Danilo na frente dela, porque queria que ela visse o filho sendo assassinado, assim como também ia assassinar o pai dela, quando ele estivesse sozinho em um sítio de sua propriedade, para onde o idoso de 69 anos ia quase todos os dias, pela manhã.

Assim, a vítima foi enfática ao relatar à Promotoria que tudo e nada eram motivos para Odenei maltratá-la física e psicologicamente. Ele exigia roupas de marca e, ainda, todos os dias queria dinheiro para beber e jogar bilhar. Também tinha ciúmes dos filhos dela, em especial dos menores por parecerem com o pai deles.

Para que os familiares dela não soubessem da vida infernal que levara, a artesã foi afastada de todos, de forma que, raramente, ia à casa de seus pais. Quando, no final de abril de 2009, finalmente procurou ajuda de uma cunhada e revelou seu suplício, Henrica era uma mulher psicologicamente fragilizada pelos anos de sofrimento. Nem de longe parecia aquela pessoa alegre, de sorriso amplo, vaidosa e bonita que fora no passado. Insegura, com medo, desesperançosa, falava em suicídio. Saiu de casa fugida para evitar o pior e procurou abrigo na casa de seus pais, para quem, finalmente, revelou em parte a situação. 

Acolhida pelos familiares, estes a convenceram a buscar proteção estatal. Na Polícia, o delegado tombou um mero TCO de ameaça, sendo que, à época, a Lei Maria da Penha já estava em pleno vigor e, portanto, seria caso de inquérito policial. Diante da fragilidade do procedimento policial, os familiares insistiram que ela deveria procurar o Ministério Público. ao tomar conhecimento da gravidade da história de Henrica, a Promotora Vylia Barra imediatamente ingressou com pedido de prisão preventiva do agressor, mas o juiz de Barcarena entendeu que não era caso de prisão, tendo aplicado apenas medidas protetivas. Assim, o Juiz determinou que Odenei não poderia se aproximar 400 metros da vítima e de seus familiares. 

Odenei foi intimado da decisão judicial de afastamento mas, em vez de pensar em obedecer, enfureceu-se ainda mais e passou a articular o plano macabro de ceifar a vida da mulher. Assim, durante os quinze dias que Henrica viveu na casa dos pais dela, sofreu assédio dele, dos pais dele e até de uma cunhada dele. O objetivo de todos era que ela voltasse para o agressor ou que o indenizasse no valor de oito mil reais para sair da casa que ela comprou com o dinheiro dela.

O pai da vítima presenciou quando Odenei foi em busca de convence-la a voltar com ele. Diante da recusa da mulher, ele disse que não sairia de "mãos abanando" da relação e exigiu oito mil. Ela, chorando, respondeu que não tinha esse dinheiro. Consternado, o patriarca dos Poça determinou que Odenei saísse de sua casa imediatamente, tendo este mandado o ex-sogro calar a boca afirmando que o  caso dizia respeito apenas a ele e Henrica. 


Poucos dias depois, os pais de Odenei foram até Henrica e exigiram dois mil reais para tirá-lo da casa pois também comungavam da ideia de que ele deveria ser indenizado pelos anos de convivência. A vítima, novamente, disse que não tinha dinheiro naquele momento. 

Na antevéspera do assassinato, uma cunhada de Odenei procurou Henrica para cobrar uma dívida que ele tinha contraído, decorrente de um serviço de limpeza que ela teria feito na casa onde ele permanecia. Henrica não pagou.   

O crime

Na véspera do crime, o agressor telefonou à vítima fingindo-se de arrependido, dizendo que iria sair da casa, que tinha entendido que o imóvel era dela e que lá a esperava para entregar-lhe as chaves. A artesã acreditou e, na manhã do fatídico dia, por volta das 9 horas, dirigiu-se até sua casa para encontrar-se com o ex-marido, fazendo-se acompanhar de seu filho Danilo, então com 17 anos.  O pai dela, no alto de sua experiência, suplicou "Minha filha, não vá. É perigoso. Lembre-se que a cobra se enrosca antes de dar o bote". Henrica - na esperança de resolver o relacionamento de forma definitiva - não ouviu o conselho paterno e partiu ao encontro da morte.

Tão logo mãe e filho entraram na casa, deixando um táxi esperando lá fora pois acreditavam que ficariam ali por apenas alguns minutos, Odenei cuidou de trancar com cadeado o portão que dá acesso à rua. Assim, ficou mantendo mãe e filho em cárcere privado por quase duas horas, exigindo coisas para liberá-los. A tensão ampliou-se a tal ponto que o adolescente começou a sentir falta de ar e a mãe tentou socorre-lo, abraçando-o e abanando-o, sentados no chão. Foi nesse momento que o assassino investiu contra eles de faca em punho e logo aplicou o primeiro golpe nas costas de Danilo. Em seguida, atacou Henrica, que conseguiu levantar-se rapidamente e, no afã de evitar a morte, tentou segurar a faca com a mão direita, em atitude de defesa, mas sofreu um extenso golpe de mais de seis centímetros. Sem solução de continuidade, o homicida impingiu a primeira facada no coração de Henrica diante do olhar de Danilo, que viu o sangue da mãe jorrar de dentro do peito. Desesperado e também ferido, o adolescente partiu para cima do agressor enquanto gritava por socorro, mas Odenei era bem mais forte e o afastou com uma facada no braço.

Sem perda de tempo, em uma ágil sequencia, o assassino aplicou mais três golpes na mulher - todos no coração. Nos dois últimos, a vítima já estava caída ao chão. Ato contínuo, ele feriu-se na barriga para simular uma legítima defesa e direcionou-se ao pátio da casa, atirando as chaves ao irmão dele que se encontrava do lado de fora, assim como dezenas de populares que para ali acorreram quando ouviram os gritos de Danilo, suplicando por socorro.

Enquanto Henrica dava os últimos suspiros diante do próprio filho, o agressor foi logo levado ao hospital de Barcarena pelo irmão dele, o qual deixou para trás os verdadeiros feridos, os quais foram socorridos pelo taxista, que ainda esperava do lado de fora para finalizar a corrida. Uma vizinha, que entrou na casa  tão logo o portão foi aberto, também acudiu as vítimas, mas, ao vir Henrica no meio de uma poça de sangue que saía do coração, teve certeza que ela não tinha nenhuma chance de sobreviver.

Henrica de Nazaré chegou morta ao hospital, deixando consternados seus quatro filhos, mãe, pai, irmãos, sobrinhos, amigos e toda a sociedade barcarenense. Danilo, por seu turno, foi conduzido para Belém, onde foi operado e sobreviveu. Com o tempo, o jovem sarou dos golpes físicos, mas relatou diante do Tribunal do Juri da capital que a ferida emocional permanece aberta e sangra todos os dias, com a lembrança do momento tétrico em que sua mãe estava sendo assassinada, o sangue jorrando de seu peito, depois suspirando e morrendo nos seus braços, enquanto ele gritava por socorro.

Danilo, a poster deste blog deseja-lhe que, superada a espera pela condenação do assassino de sua mãe, você possa refazer-se do trauma e construir uma vida feliz, como Henrica, certamente, espera que seja, do lugar onde - finalmente - descansa em paz.

 

 

 

 

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