Indeferimento de perguntas em audiência

domingo, 11 de agosto de 2013

Resenha do artigo de Alexandre de Moraes Saldanha

Comumente se vê em audiências o protesto de umas das partes contra a pergunta formulada pela outra, sob a singela motivação de se tratar de “juízo de probabilidade” ou de “juízo de valor”. É verdade que as testemunhas devem relatar fatos, mas essa diretriz no depoimento testemunhal não pode ser colocada de modo absoluto pois em tudo o que fazemos, seja em nossa vida pessoal, seja profissional, há algum juízo de valor ou juízo de probabilidade. No instante em que lemos um texto ou quando tomamos conhecimento de um fato, de forma autômata, nosso cérebro processa as informações que estamos colhendo, confrontando e/ou agregando com as prévias informações, conhecimentos e valores que já possuímos, frutos de nossa vivência e de nosso estudo, transformando aquilo que acabamos de ler e saber em mais um juízo de valor nosso. Aquela visão ou conclusão do que vimos é unicamente nossa, nenhuma outra pessoa no mundo terá exatamente a mesma visão, pois somos seres humanos iguais e, ao mesmo tempo, intensamente diferentes.
No entanto, a lei só proíbe os seguintes tipos de perguntas: 

1) que induza a testemunha a responder de determinada forma, ou seja, pergunta indutiva; 

2) que não tenha relação com a causa, ou seja, pergunta completamente desconexa do contexto; 

3) repetitiva.

É o que determinam os arts. 212 e 213 do CPP de 1941:

Art. 212.  As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

Parágrafo único.  Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

Art. 213.  O juiz não permitirá que a testemunha manifeste suas apreciações pessoais, salvo quando inseparáveis da narrativa do fato.

O que o legislador tentou regrar com esses artigos foi proibir perguntas: 1) que induzam a testemunha a responder de determinada forma, ou seja, pergunta indutiva; 2) que não tenha relação com a causa, ou seja, pergunta completamente desconexa do contexto; 3) pergunta repetitiva. Somente essas perguntas deverão ser indeferidas e quando realmente ficar patente o prejuízo da busca da verdade real ou a má-fé da acusação ou defesa, sempre primando pelo princípio da ampla defesa e da razoabilidade.

A impressão pessoal da testemunha não é o objeto direto e principal de um depoimento, mas, já prevendo o legislador que quase sempre colocamos nossas impressões e opiniões no que dizemos e fazemos, inseriu a ressalva do final do art. 213, para não inviabilizar os depoimentos, como se pode averiguar na transcrição do artigo acima.

Se tal preceito fosse utilizado “ao pé da letra”, as próprias investigações policiais e ministeriais restariam sobremodo prejudicadas, pois as testemunhas e vítimas não poderiam indicar quem, por algum motivo de probabilidade, acham que é suspeito.

Na dúvida, o magistrado deve respeitar o direito da defesa, e também da acusação, em fazer as perguntas, pois, só se saberá da relevância daquela pergunta, após devidamente colhida a resposta. Se aquela se mostrar uma pergunta descabida ou houver um juízo de valor ou probabilidade feito por quem não tem competência para tal, basta ao magistrado desconsiderar no momento de julgar. Simplesmente indeferir a pergunta e cassar a palavra de uma das partes que tenta chegar à verdade real do processo criminal é uma prática temerária, propensa a tornar os processos criminais nulos por claro cerceamento de defesa ou chegar a resultado diverso do querido pelo legislador e por toda a sociedade, que é a condenação de quem realmente praticou o delito.


SALDANHA, Alexandre de Moraes. Indeferimento de perguntas em audiência e o juízo de valor ou de probabilidade das testemunhas. Jus Navigandi, Teresina, ano 18n. 36897 ago. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25071>. Acesso em: 11 ago. 2013.



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